Desigualdade de berço

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Em nenhum outro nível de ensino na educação básica, a desigualdade no acesso entre ricos e pobres é tão grande quanto na creche, etapa destinada a crianças de zero a três anos. Essa desigualdade é ainda mais gritante se considerarmos que ela não é resultado do desinteresse das famílias mais pobres por uma vaga para suas crianças. Pelo contrário. Os brasileiros mais pobres querem tanto quanto os mais ricos que seus filhos anos estudem. O problema é que uns conseguem, e outros não.

Um estudo divulgado pelo instituto Idados, elaborado pela economista Mariana Leite a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, retrata bem essa questão. O IBGE, pela primeira vez, perguntou às famílias não apenas se as crianças estavam ou não matriculadas, mas, também, se houve interesse dos pais em conseguir uma vaga. Essa distinção é importante porque, no caso da faixa etária de zero a três anos, a matrícula não é obrigatória, a não ser que os responsáveis tomem a iniciativa de colocarem seus filhos na creche. Daí, sim, passa a ser dever do poder público garantir a vaga, o que sabemos, infelizmente, que não acontece na maioria dos municípios.

O principal achado da pesquisa do Idados é que praticamente não há diferença entre famílias de diferentes níveis de renda no interesse em matricular suas crianças na creche. Na população que está entre os 25% mais pobres do país, 67% declararam que tinham interesse em buscar uma vaga para seus filhos. Neste grupo de renda, porém, a cobertura é de apenas 15%. Já no caso das famílias que estão entre as 25% mais ricas, o percentual dos que declaram interesse numa vaga em creche é de 76%, ou seja, não difere muito dos 67% verificados entre os mais pobres. O abismo, porém, está na proporção daqueles que efetivamente conseguem a vaga. Entre os mais ricos, esse percentual chega a 41%.

É importante considerar que boa parte dessas matrículas dos alunos mais ricos em creches acontece em instituições privadas. Porém, nem mesmo neste seleto grupo de maior renda batemos já, hoje, a meta estipulada no Plano Nacional de Educação para o total das crianças de zero a três anos, que é de 50% matriculadas até 2024.

Por isso é fundamental expandir o sistema de creches públicas priorizando as famílias que mais precisam, tanto do ponto de vista das crianças, quanto dos pais.

Sabemos que, do ponto de vistas das famílias, especialmente para as mães, creches têm impacto significativo na renda e empregabilidade. Do ponto de vista da criança, porém, não é garantido que qualquer creche seja positiva. Já citei aqui na coluna estudos, no Brasil e no exterior, que demonstram que uma creche de má qualidade pode até ter impactos negativos no aprendizado anos depois.

A creche de boa qualidade é essencial, porém, para começar a amenizar uma desigualdade que vem desde cedo, e da qual a criança não tem culpa alguma. Vários estudos mostram que o vocabulário e o grau de conhecimento de noções básicas de matemática e ciência já são diferentes para pobres e ricos no momento de entrada na pré-escola. Outro estudo mais recente, da universidade Stanford, mostrou que a diferença em termos de vocabulário já é visível desde os 18 meses de idade entre pobres e ricos. Ou seja, trata-se de uma desigualdade que vem de berço, e nada tem a ver com mérito da criança ou com o que acontece em sala de aula.

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