A pandemia do coronavírus trouxe consequências devastadoras ao mercado de trabalho. Apesar da retomada gradual das atividades, à medida em que o programa de vacinação avança, uma nova preocupação emerge quanto à qualidade dos postos de trabalhos criados, frequentemente mensurada apenas em termos salarias. A equipe de pesquisa da consultoria IDados, no entanto, propõe tratar o assunto de uma maneira multidimensional.
Para isso, foi construído um índice (mais detalhes aqui) capaz de captar aspectos da qualidade do emprego como: estabilidade, rede de proteção, jornada, seguridade do emprego e salário. A fim de construir este índice, foram utilizados os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em outras oportunidades (ver aqui e aqui), analisamos a evolução desse índice por meio de determinados recortes. Aqui, pretendemos repetir o exercício, a fim de observar a dinâmica da qualidade dos empregos durante a crise da pandemia do coronavírus, focando sobretudo nas divergências entre grupos raciais.
Na Figura 1, observamos a evolução da proporção (em percentagem) de postos de trabalho com baixa qualidade, de acordo com o índice supracitado, desde o 3º trimestre de 2016 até o 3º trimestre de 2021. No primeiro trimestre da série, a proporção de pessoas ocupadas em postos de baixa qualidade era de 45,2%, somando 40 milhões de pessoas de uma população ocupada total de 89 milhões. Essa proporção apresentou tendência de aumento gradual até o 4º trimestre de 2019 (antes da pandemia do coronavírus chegar ao país).
No entanto, observamos uma queda significativa da proporção de empregos de baixa qualidade durante o início da pandemia (entre 1º e 2º trimestres de 2020), seguida de uma tendência de crescimento até o recorde da série no 3º trimestre de 2021. Neste momento, a proporção de pessoas ocupadas em postos de baixa qualidade atingiu incríveis 49% da população ocupada total.
A queda observada no início da pandemia demonstra que a maior parte daqueles que perderam o emprego durante a crise foi justamente os que ocupavam postos de menor qualidade, dada a maior instabilidade destes empregos. Por outro lado, os crescimentos que vemos a partir do 3° trimestre de 2020 sugerem que a recuperação tem se dado por meio de postos de trabalho de menor qualidade, como, por exemplo, pela informalidade.
Na Figura 2, observamos a evolução da proporção de postos de trabalho com baixa qualidade por cor de pele. Para negros e brancos, vemos que o recorde da série se dá no 3º trimestre de 2021. No entanto, no referido semestre, 53,8% dos trabalhadores negros (pretos e pardos) se encontravam em postos de trabalho de baixa qualidade – muito acima dos 44% de brancos em postos de baixa qualidade e 43,5% dos demais. Essa diferença é constante durante todo o período analisado, o que sugere um perfil sociodemográfico específico na composição das ocupações de menor qualidade.
Em resumo, observamos que: (i) a destruição dos empregos durante o início da pandemia se deu com maior intensidade sobre aqueles postos de menor qualidade; (ii) a recuperação está ocorrendo por meio de postos com condições de trabalho cada vez mais precárias – o que levou a série a atingir o recorde no último período divulgado; e (iii) que esses postos de menor qualidade são ocupados em sua maioria pela população negra.
Desse modo, vemos que, além da recuperação do mercado de trabalho, é necessário olhar também para a qualidade das ocupações que estão sendo criadas. É importante fazer isso porque a qualidade dos empregos gerados produz consequências sobre a vida das pessoas.