Como se adaptar a novas tecnologias? Embora a questão possa parecer um tema do século XXI, na realidade, sempre esteve presente na história da humanidade. Imagine quando a escrita foi inventada e apenas alguns poucos sabiam compreendê-la e utilizá-la. Ou então, quando a agricultura começou a se espalhar, quando as máquinas começaram a substituir a força animal, quando o Uber lançou seu aplicativo. Nadar contra a maré é a melhor forma de se afogar; a questão é como se adaptar e tirar proveito disso e, quem sabe, lançar uma nova tecnologia que virá a quebrar algum paradigma.
Ironicamente, nos dias atuais, as salas de aula têm sofrido para se adaptar. É irônico porque a sala de aula tem papel fundamental a desempenhar no acúmulo de habilidades que tornam o ser humano produtivo e, portanto, deveria ser uma das primeiras a se harmonizar ao progresso tecnológico. Todavia, o que se vê na maioria das salas é a tradicional combinação giz-e-lousa (ou canetão e quadro branco, quem diria…). Coincidência ou não, o nível atual de conhecimento matemático das nossas crianças está no mesmo patamar de 20 anos atrás, de acordo com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Detalhe: esse dado inclui crianças que frequentam o setor privado.
A resistência à entrada da tecnologia na sala de aula pode ter sua razão de ser. Conforme documentado em alguns estudos disponíveis nos links ao final deste artigo, a evidência internacional não é contundente em favor da tecnologia. Para obter evidência a respeito no Brasil, o IDados, em parceria com o Instituto Alfa e Beto, realizou um experimento: testou um software instalado em um tablet para auxiliar o estudante a aprender a boa e velha tabuada. O software nada mais é que um joguinho que se passa em uma fazenda, onde os estudantes interativamente aprendem e praticam tabuada. O experimento foi realizado com turmas de 1º, 2º e 3º anos do ensino fundamental, distribuídos em 12 escolas públicas de três municípios diferentes, totalizando aproximadamente 900 crianças. Metade das turmas (escolhidas aleatoriamente) brincou diariamente, por até 20 minutos, com o software dentro da sala de aula durante pouco menos de três meses. Os resultados preliminares impressionaram. Após esse curto período de interação com o jogo, as crianças melhoraram em quase 55% seu desempenho em um teste de tabuada realizado em papel (contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir).
A figura abaixo mostra a taxa de acerto no teste de tabuada dos grupos de tratamento (composto pelos alunos que brincaram com o software) e controle (composto pelos alunos que não tiveram acesso ao joguinho), antes e depois do período de uso do software. O grupo de controle também melhorou um pouco, o que poderia ser atribuído ao fato de que as crianças sabiam que haveria um segundo teste. Ainda assim, a melhora relativa do grupo de tratamento foi 11 pontos percentuais maior (ou mais de meio desvio-padrão, significante estatisticamente). Para se ter uma ideia, isso significa que um estudante que antes estava na mediana da distribuição se posicionaria entre os 25% melhores da turma depois de apenas 10 horas de uso do software.
Figura 1 – Porcentagem de acertos no teste de tabuada por grupo experimental, antes e depois do programa
Fonte: IDados – Pesquisa Tabuada na Fazenda.
A avaliação mostra que o software teve um efeito educacional importante, mas não suficiente para assegurar o pleno domínio da tabuada. Observa-se na figura que a média de acertos das turmas depois de utilizar o software foi pouco acima de 50%. Isso representa um baixo desempenho médio, já que se tratam apenas de contas simples e diretas utilizando as quatro operações elementares da matemática. Ou seja, há muito trabalho pela frente. Ao invés de ser considerada uma inimiga, a tecnologia pode ser mais do que uma aliada, uma cúmplice até, do professor e do nosso aprendizado. Qual tecnologia adotar e a melhor forma de utilizá-la são as questões-chave para melhorar a nossa realidade.
Referências:
Institute of Educational Sciences study: http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED496015.pdf
Fast ForWord Language program: https://eric.ed.gov/?id=EJ869816
SCOPE study: https://edpolicy.stanford.edu/sites/default/files/scope-pub-using-technology-report.pdf
Uma revisão de programas: http://www2.gsu.edu/~wwwche/Milken%20report.pdf